A peregrina e a amizade
Faz uns dias que
venho pensando sobre o tema da vulnerabilidade. A cada tempo que se passa,
tenho percebido o quanto a nossa era nos prega o discurso de que precisamos ser
bons o tempo todo e de que não podemos revelar as nossas fraquezas. Não basta
sermos bons, mas destacáveis na sociedade, ou seja, precisamos ser a mais
inteligente, a mais bonita, a melhor esposa e mãe, a que consegue dar conta de
tudo. Assim, vivemos sempre com a
sensação de que estamos sendo avaliadas pelos outros. O nosso sucesso passa a
se basear na quantidade de seguidores ou de likes que adquirimos. Abrimos
nossas redes sociais e vemos o lado bom das pessoas - aquele que elas querem
mostrar - e as várias possibilidades de filtros nos permitem escolher quem
queremos ser, com nossas imperfeições ocultadas.
Em contrapartida, a
vulnerabilidade nos permite enxergar como realmente somos – seres humanos,
cheios de falhas e imperfeições, vivendo em um mundo quebrado, tentando
caminhar no deserto desta vida sem perder a esperança. Enquanto peregrinas
neste mundo, haverá momentos em que iremos desanimar, nos sentir inseguras,
pequenas e até fraquejar em nossa fé. E não há nada de errado com isso, pois
revela o quanto somos humanas, frágeis e dependentes de Deus. Certa vez eu
ouvi: “É preciso coragem para ser comum”. Não somos super crentes. Aliás, nunca
fomos super. Uma das maiores grandezas da vida consiste não apenas em
reconhecer isso, mas em aceitar as fraquezas como parte de nós.
A vulnerabilidade
também nos permite enxergar o outro como ele é, alguém propenso a falhar,
alguém assim como nós, vulnerável. O Senhor Deus, conhecedor de quem somos,
criou a amizade, a fim de que possamos desfrutar do amor e irmandade que provém
Dele, uns com os outros. A amizade alicerçada em Deus é uma das maiores dádivas
que temos enquanto peregrinas na terra. Em nossos momentos de vulnerabilidade,
é confortante saber que temos alguém com quem podemos contar, que assim como
afirma a Escritura, se torna um irmão na adversidade (Pv 17:17), com quem
podemos desabafar nos momentos de maiores tristezas e nos alegrar em
nossas maiores conquistas.
Dessa forma, amizade
é fundamental em nossas vidas, somos seres relacionais e precisamos de pessoas
para compartilhar a nossa caminhada. É, precisamos. A amizade é uma das facetas
da graça de um Deus abençoador, por nos proporcionar amigos que compartilhem da
mesma fé, visão e experiências que nós, e que nos ajudam a estar mais próximas
Dele. Rogue ao Senhor por amigos em sua peregrinação terrena, toda boa dádiva
vem Dele (Tg 1:17).
“Minha oração é que todos eles sejam um, como nós somos um, como tu estás em mim, Pai, e eu estou em ti. Que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. “Eu dei a eles a glória que tu me deste, para que sejam um, como nós somos um. Eu estou neles e tu estás em mim. Que eles experimentem unidade perfeita, para que todo o mundo saiba que tu me enviaste e que os amas tanto quanto me amas.” (Jo 17:21-23)
Toda vez que leio
esta oração sacerdotal de nosso Mestre, meu coração estremece de gratidão e
temor. Você entende a profundidade destas palavras? O Verbo de Deus encarnado
rogou por nós para que assim como Ele é um com o Pai, nesta harmonia tão
profunda, bela e satisfatória da trindade, também sejamos um com Ele e com os
nossos irmãos. Dessa maneira, através da unidade de crentes de todos os povos,
tribos, línguas e nações, é que o mundo crerá que Ele foi enviado e que
testificaremos que somos amados com o mesmo amor do Pai pelo Filho, pois Ele
compartilhou conosco da Sua própria glória. E assim vivemos, “procurando
guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.” (Ef 4:3).
A igreja deveria ser
de fato este lugar onde eu posso expor as minhas fraquezas sem medo de ser
julgada, confessar os meus pecados e receber misericórdia, compartilhar minhas
experiências e mutuamente desfrutar do amor e união em Cristo. Antes de
apontarmos as nossas ausências, que possamos refletir se temos de fato cumprido
o nosso papel como igreja no Corpo de Cristo. Se temos acolhido mais do que
afastado, se temos lutado pela unidade do vínculo da paz ou se temos
participado dos grupos de críticos que apenas apontam as falhas dos irmãos.
Antes de buscarmos amigos, que possamos refletir se somos os amigos que tanto
procuramos nas outras pessoas.
Haverá dias em que
estaremos capacitados a ajudar aqueles que estão fraquejando e haverá dias em
que seremos nós que que precisaremos de ajuda. Isso é ser corpo, isso é ser
igreja. Isso é ser um. É preciso muita coragem para ser comum, para reconhecer
nossa vulnerabilidade, vulnerabilidade essa que nos lança para a dependência
Dele, do Único que é autossuficiente, Senhor das nossas vidas e também Cabeça
da Igreja. Bendita seja então a vulnerabilidade!
Thayse Fernandes
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